A obra Gênero: identidade e reconhecimento propõe olhares interdisciplinares acerca de questões histórico-culturais propositadamente invisibilizadas relativas à inferiorização do feminino. Um aparente paradoxo, se considerada a evolução formal de garantias jurídicas como produto de intensas lutas por reconhecimento, mas que, a despeito dessa notória evolução, tem nas construções sociais, simbólicas e discursivas, as evidências da perpetuação dos perversos processos de discriminação e dominação. Ao apresentá-la, estabeleço de pronto um diálogo com pesquisadores e educadores e, principalmente, com mulheres e comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) que identificarão nos estudos a seguir a narrativa de suas próprias vidas. No primeiro capítulo, de autoria de Rosângela Angelim, tem-se uma reflexão acerca dos processos subjetivos da construção identitária das mulheres em relação às teorias da redistribuição econômica e do reconhecimento cultural/identitário e suas contribuições para a compreensão das ações e demandas dos movimentos feministas, sob as perspectivas de Nancy Fraser e Axel Honneth, respectivamente. Através de uma incursão histórica, a autora desvela as memórias coletivas, as vivências, os processos de luta e as violências (invisibilizadas e/ou naturalizadas) impostas às mulheres no contexto das desiguais relações de gênero tecidas ao longo dessa incursão. Em diálogo com outros autores, aponta as controvérsias e convergências das teorias estudadas, demonstrando sua complementariedade para o apontamento de rumos para os movimentos feministas, no que se refere tanto ao autorreconhecimento das mulheres e a busca por reparação de danos históricos, quanto como mecanismo de busca de status social como meta de participação paritária. Na sequência, Juliana Bedin Grando e Renata Maciel aprofundam a temática da precarização das relações laborais femininas sob a ótica 6 GÊNERO: identidade e reconhecimento • Costa / Botton da divisão social e sexual do trabalho. As autoras apresentam dados da crescente participação feminina no mercado de trabalho e, contraditoriamente, da precarização de seus direitos em relação aos homens, o que denota a importância do trabalho feminino para o capital, ainda que, deforma totalmente exploratória. Tempo parcial, salários menores, exercício de atividades de menor qualificação, informalidade, exigência de multifunções, jornadas mais extensas (considerando-se a conciliação com o trabalho doméstico), subalternização da mulher nas relações trabalhistas são condições que evidenciam que a luta das mulheres por reconhecimento e igualdade ainda está distante de ser vencida. Francisco Lopes e Viviane Coitinho, por sua vez, refletem sobre a educação de gênero como mecanismo de enfrentamento ao preconceito a partir da introdução da pauta diversidade no conteúdo programático escolar, considerando que a invisibilidade da temática concorre para que a violência contra a mulher e à comunidade LGBTTT se reproduza. Os autores propõem trajetórias de formação que combatam a discriminação, o preconceito e a violência de gênero em todas as suas manifestações. Destacam o papel da escola como um espaço aberto à discussão de tais temas e de acolhimento aos alunos em sua individualidade e liberdade de expressão e, o papel dos professores para o exercício de uma educação para a cidadania e a diversidade. Luciane de Freitas Mazzardo e Olinda Barcellos discorrem sobre mulheres e masculinidades a partir de definições de sexo, gênero e feminismo tendo como fio condutor de suas reflexões a problemática da masculinização da mulher como forma de agir/reagir aos esquemas de poder e dominação em uma cultura machista. As autoras abordam a estratégica mimetização de comportamentos masculinos para o rompimento das fronteiras do espaço privado e o avanço nos ambientes demarcados pelo masculino. Também referenciam questões relativas ao empoderamento feminino e seus efeitos, que perpassam as pautas do movimento feminista, a dura escalada em defesa e promoção de direitos, da incorporação de valores e práticas que traduzam a promoção da equidade de gênero mediante a efetiva valorização dos sujeitos femininos e a deposição de autocondicionamentos herdados da cultura machista e dos dicotômicos padrões de conduta preestabelecidos pela construção social e cultural do que é ser homem e ser mulher. A temática tráfico de pessoas, com ênfase no tráfico de mulheres e crianças, principais alvos das redes de aliciadores e traficantes, é abordada por Simone Andrea Schwinn e Nicole Garske Weber. Discutem as autoras a relevância do Protocolo de Palermo (e de outros acordos internacionais) e o papel do Estado/políticas públicas no enfrentamento à questão (prevenção, combate e proteção das vítimas), com destaque à política nacional e às lacunas do marco legal vigente. Contudo, destacam que a limitação de dados disponíveis sobre a questão, bem como a insuficiência de esforços no campo legislativo, para instar os países a adotarem medidas de coibição desse tipo de crime, associadas ao número de rotas em todo mundo (cerca de 500), dificultam a punição aos traficantes e vitima milhares de pessoas todos os anos. Alberto Barreto Goerch e Jordana Mori de Castilhos adentram, a partir de relatos, na esfera dos preconceitos sofridos pelos indivíduos transexuais no ambiente de trabalho. Enfocam as limitações de acesso ao mercado de trabalho, derivadas da baixa escolaridade e dos obstáculos legais para a alteração do nome civil (e os consequentes constrangimentos advindos da dissonante forma física versus registro civil) e, desvelam a discriminação vivida nas relações de trabalho e a prostituição como alternativa de sobrevivência. Ao mesmo tempo, apresentam programas exitosos de estados e municípios brasileiros que objetivam resgatar este grupo da marginalidade a partir da qualificação profissional e assistência socioeconômica. No capítulo final, Letícia Thomasi Jahnke e Marli M. M. Da Costa abordam a ditadura da beleza nos concursos (minimisses) e no trabalho artístico infantil em contraposição ao direito à infância, ao lazere à qualidade de vida. Refletem sobre o processo de adultização e sexualização precoces e seus potenciais impactos no desenvolvimento de identidade de gênero das crianças, analisando questões relacionadas à rede de direito e proteção dessas meninas enquanto titulares de direitos humanos e fundamentais com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, angariam a propositura de uma ação estatal que tenha como cerne de proteção crianças e adolescentes expostas pelos pais e/ ou responsáveis a uma transmutação de valores sociais em prol de uma valorização do estético. Considero que este projeto corajoso (considerando os tempos “inquisitórios” em que vivemos) reforça a intencionalidade do estabelecimento de recortes sobre aspectos da realidade social, presente e/ou pretérita, que têm como fio condutor a dissimetria de papeis sociais socialmente consolidados como sendo masculinos ou femininos. Nesse contexto, identidade e reconhecimento • Costa / Botton os autores propõem-se a compreender como a hegemonia masculina influencia as relações sociais de mulheres desde a subversão de sua identidade, passando pela desigualdade econômica, a precarização das condições laborais e o preconceito no ambiente de trabalho, a masculinização da mulher, o tráfico de pessoas, a adultização e sexualização precoces. Desejo que este livro atinja seu objetivo, despertando em suas leitoras e leitores uma reflexão crítica sobre as temáticas e a inspiração para adesão às lutas em curso. Prof. Dra. Simone Loureiro Brum Imperatore Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Dezembro 2017.